Ambiente de negócios: empresas devem se adaptar ao metaverso

Assim como ocorreu no passado, com a chegada da internet e do e-commerce, as companhias que não se adaptarem à nova realidade virtual podem ficar para trás e correr o risco de desaparecer.

ey-marcos-semola-27-08-2019Marcos Sêmola, sócio da EY para Cibersegurança. (Foto: Divulgação)

Ometaverso ainda está nos primeiros passos, mas já movimenta negócios na ordem de bilhões de dólares anuais, em todo o mundo. As empresas que não se adequarem a essa nova realidade virtual podem ter o mesmo destino das companhias que, no passado, não se adaptaram à transformação digital impulsionada pela internet e, mais recentemente, ao e-commerce: podem ter os seus negócios comprometidos ou até desaparecer.  

“Apenas no ano passado foram consumidos 40 bilhões de dólares só em roupas digitais para avatares. Isso dá uma ideia do gigantismo do metaverso”, diz Marcos Sêmola, sócio da EY para Cibersegurança e autor do livro “Gestão da Segurança da Informação – Uma visão Executiva”, que pode ser baixado gratuitamente pelo link https://www.infosecuritybook.com/.  

Em entrevista à Agência EY, Sêmola explica como as companhias devem se adaptar ao metaverso para o desenvolvimento dos seus negócios e os cuidados com a segurança nesse novo ambiente virtual.  

Quais as implicações do metaverso no novo ambiente de negócios? 

A visão associada ao metaverso prevê a existência de um mundo paralelo em que muitas atividades realizadas hoje no mundo físico também ocorram no ambiente virtual. A depender da velocidade com que as tecnologias da Web 3.0 se popularizarem e alcançarem a maior parte da população mundial, nós veremos esse mundo paralelo com altíssimo grau de realismo. Ele será tão atraente aos seres humanos que eles desejarão realizar as atividades que hoje são no mundo físico nesse mundo virtual. Dessa forma, muitas atividades de negócios tendem a ocorrer também no metaverso. 

Como podemos ilustrar esse processo? 

Basta analisar o setor de educação. Há cinco anos, o mundo consumia muito mais serviços educacionais presenciais do que virtuais. A pandemia acelerou e, hoje, certamente, as atividades educacionais ocorrem mais no mundo virtual, seja por meio do zoom ou outras plataformas. Nós já estamos sendo apresentados a um comportamento de consumo em um ambiente virtualizado, que é pregado pelo metaverso. O que nós veremos no futuro serão aulas ministradas nesse ambiente metaversico com muito mais realismo e oferecendo aos consumidores uma experiência muito mais confortável e agradável do que é hoje. É um pequeno exemplo dessa transição do físico para o virtual.  

Quais os caminhos devem ser seguidos pelas empresas para que elas se familiarizem, cada vez mais, com essa nova dinâmica colocada pelo metaverso, e nesse novo ambiente de negócios? 

Gosto de atribuir esse exercício a uma escada em caracol, na qual você consegue enxergar os primeiros degraus, mas é incapaz de enxergar os próximos. A cada curva surgem novos degraus. Estamos no início dessa escada que é construída por vários degraus. Um deles define a infraestrutura necessária para a conexão e a comunicação. Há um outro degrau que é a interface humana. Aí, estou falando de óculos inteligentes, dispositivos de realidade virtual etc. Depois há um degrau que é a descentralização. É um modelo previsto nessa escada do metaverso em que projetos, produtos e empresas serão geridas consumindo tecnologias que permitem a descentralização da governança dessas empresas. Aí estão incluídas tecnologias como blockchain e outras. Outro degrau importante é a computação espacial. Se nós queremos realmente ter uma vida no mundo virtual, esse mundo tem de se aproximar ao máximo do mundo real. Por isso, é necessário que os computadores e sistemas de computação sejam capazes de construir esse ambiente espacial com realismo. Para que eu, por exemplo, no avatar do metaverso, pareça, de fato, comigo. Para que eu me sinta representado por ele nesse mundo virtual.  

E a questão da economia? 

O quinto degrau da escada é o que chamamos de criação da economia.  Nada do que falamos até agora faz sentido se não houver empresas que construam ferramentas para explorar esse espaço virtual. Me refiro a ambientes de e-commerce, mercados de vendas de ativos virtuais, ferramentas de design para você construir produtos nesse ambiente virtual. O próximo degrau é muito importante porque não adianta nada do que foi construído até os anteriores sem que a gente permita que as pessoas encontrem as outras no metaverso. Ou seja, são as redes sociais e os mecanismos que vão divulgar os agentes e produtos no metaverso. Por último, o degrau da experiência do usuário. No fim das contas, o que as pessoas querem é usufruir de uma experiência agradável nesse mundo virtual.  

Podemos dizer que as empresas que não se adaptarem ao metaverso no futuro estarão excluídas do mundo virtual? 

É uma ótima pergunta. Não dá para dizer o que uma empresa vai sofrer por não se adaptar a algo que ainda não está construído. Hoje, o metaverso é representado por projetos experimentais distintos que carecem de maturidade em muitos desses degraus que mencionei. Vou dar alguns exemplos: o Fortnite, um jogo de videogame que é um metaverso em si mesmo, onde as pessoas têm avatares e compram produtos para vestir esses avatares. Mas será que é lá que as empresas vão querer estar? Possivelmente não. A menos que elas tenham produtos e serviços para gamers. Vamos falar de outro metaverso, para triatletas e ciclistas. É um metaverso onde me vejo representado por um avatar que pedala a bicicleta refletindo os movimentos físicos na minha casa, com minha própria bicicleta. Eu interajo nesse universo com as pessoas que também fazem exercícios. Será que as empresas vão querer estar lá? Não, a não ser aquelas que tenham produtos e serviços para ciclistas. Mas o que está sendo pensado como metaverso definitivo é um metaverso popular globalmente ou simplesmente um único metaverso, que é reflexo da fusão de vários metaversos. É onde a população inteira conectada à internet hoje estará lá também, onde nós poderemos transitar como fazemos hoje no mundo real, encontrando pessoas, empresas e consumindo coisas. Nesse metaverso integrado e realista imaginamos que as empresas que não estiverem lá estarão fora do jogo. É como hoje com o Google. A empresa que não tem um site na internet onde a pessoa possa buscar informações sobre os seus produtos e serviços está fora do jogo. É algo muito similar. 

O estágio em que estamos hoje em relação ao metaverso pode ser o mesmo em que estávamos quando surgiu a internet? Naquela época, as empresas, então totalmente analógicas, também tinham noção de que, em algum momento, elas teriam de se adaptar à nova realidade da internet? 

Sem dúvida. É a mesma analogia. Pessoas ou empresas que não têm o hábito de praticar a experimentação tentando se antecipar a um futuro que está sendo prometido ou até mesmo construir o futuro junto com esses visionários vão se sentir, em determinado momento, atrasadas. Eu me lembro que, em 1993, meu cartão de visitas tinha o endereço de e-mail e aquilo era considerado uma aberração. As empresas que deixarem para depois experiências nesses ambientes estarão atrasadas. E esse atraso pode representar um diferencial competitivo, pois elas terão de tirar o atraso depois.  

Essas empresas que não se adaptarem podem ser simplesmente excluídas do mercado? É difícil imaginar a sobrevivência, por exemplo, de uma empresa que não está na internet hoje.  

Sim. A depender da velocidade com que a visão do metaverso se materializar e a depender de como as empresas visionárias se apropriarem desse espaço, pode haver barreiras de entrada aos retardatários. Imagine uma empresa de cosméticos que hoje tem uma loja em um metaverso de games, por exemplo. Talvez hoje ela não faça nenhuma receita com essa experiência, mas, se de fato o metaverso se materializar e ela continuar nesse exercício, estará mais madura, terá aprendido com os próprios erros e vai se destacar quando todo mundo quiser estar no metaverso. Estamos falando de vantagem competitiva em cima de uma aposta porque, claro, isso tudo ainda é uma aposta. 

E da parte do consumidor, ele também vai ter de se adaptar como se adaptou à internet, por exemplo? 

Quando temos um parente mais idoso em casa e ele não se adaptou às novas práticas de consumo e conteúdo na internet ou serviços bancários no aplicativo do celular, por exemplo, podemos concluir que ele está mal assistido, porque hoje em dia não há mais tantas agências bancárias como antigamente. Até chegar o momento em que essas agências podem simplesmente não existir. Esse usuário será forçado a inovar e consumir produtos e serviços nesse ambiente metaversico quando ele se popularizar e estiver acabando com os serviços oferecidos nos velhos moldes. 

A pandemia nos mostrou isso, não é? 

Exato. Aquele funcionário pré-pandemia que era avesso à tecnologia teve de fazer uma escolha: ou ele abraçava com vontade e produzia remotamente ou simplesmente se desligava da empresa pois não havia opção de trabalho presencial. É uma espécie de trem onde não se sabe exatamente se há uma locomotiva puxando os vagões ou se os vagões estão empurrando a locomotiva. Os consumidores querem dar os próximos passos e as empresas querem criar os próximos passos para os consumidores.  

Como fica a questão da segurança cibernética nesse novo ambiente de negócios envolvendo o metaverso? 

Uma empresa que resolva explorar o metaverso vai ter de continuar cuidando do ativo da informação, algo que tem muito valor nos seus negócios. E proteger essas informações significa proteger a confidencialidade, a integridade e a disponibilidade das informações. Isso não muda nada do que já existe. Acontece que, no mundo totalmente virtual, haverá exposição maior das informações daquele negócio em relação ao que existe hoje. Assim, haverá um número maior de ameaças virtuais e com implicações potencialmente maiores. O que nós, especialistas em segurança, estamos prevendo é que, no metaverso, no seu mais maduro estágio, tenha crimes do mundo real se repetindo lá, tais como: crimes contra o fisco, sistema financeiro, ataques contra os negócios, vazamentos de dados pessoais, furto de identidade, furto de avatares, chantagens, perseguições e até assédio. O que se espera do metaverso é que, quando ele atingir um grau de realismo muito alto, também tenha o que há de pior no mundo físico. A conexão entre o mundo real e virtual será de maneira mais intensa e multidisciplinar. Ao mesmo tempo em empresas estenderão o seu alcance nesse mundo, estarão mais expostas a ameaças. Quando falo em relação de causa e efeito eu de imediato penso em impactos financeiros, operacionais e reputacionais. 

O que as empresas devem fazer de imediato diante de tudo isso? Qual o primeiro passo que as empresas devem dar hoje? 

O metaverso é, de fato, uma janela de oportunidades para todas as empresas que queiram aprender experimentando, criando, cocriando etc. Porque elas estarão um passo à frente de todas as outras. Não subestimem a capacidade do metaverso vir a substituir o seu negócio físico hoje. A exemplo do e-commerce. Muitas empresas têm hoje no e-commerce a maior fonte de receitas comparando com os velhos canais físicos. A mesma coisa vai acontecer com o metaverso.