Mudança de cenário promove novos investimentos

Diretor do Banco Mundial, Johannes Zutt destaca que as perspectivas positivas e os amortecedores do Brasil estão incentivando a retomada dos investimentos

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Diretor do Banco Mundial, Johannes Zutt destaca que as perspectivas positivas e os amortecedores do Brasil estão incentivando a retomada dos investimentos (Foto: Edilson Rodrigues)

Johannes “John” Zutt assumiu o cargo de diretor do Banco Mundial para o Brasil, em agosto do ano passado. Com dupla nacionalidade, holandesa e canadense, Zutt ingressou no Banco em 2000 como diretor de operações sênior para a unidade de gestão de Angola, Malawi e Moçambique, na regional da África. Desde então, ocupou vários cargos, incluindo o de assessor do diretor administrativo, diretor-interino da Vice-Presidência de Integridade do Banco e várias atribuições como diretor em diversos países.

As principais prioridades de Johannes Zutt são projetar e implementar o programa de trabalho do Banco Mundial no país para apoiar os esforços locais na redução da pobreza e no aumento da prosperidade, o que inclui ajudar o setor privado a criar mais e melhores empregos; ajudar a identificar soluções para os principais desafios de desenvolvimento do Brasil com base na experiência global e regional do Banco Mundial; e gerenciar a representação em Brasília, mantendo diálogo com o Governo do Brasil e outros atores-chave para o desenvolvimento do país.

Para o especialista, as reformas estruturais criam um ambiente de confiança. “O novo quadro orçamental reduz a incerteza em torno da política orçamental, proporcionando previsibilidade para as contas orçamentais, estabilizando a dívida a médio prazo e contribuindo para baixar a taxa de juro estrutural”. Nesta entrevista, o diretor do Banco Mundial faz uma análise sobre o atual momento econômico do país e a importância do crédito para o desenvolvimento nacional.

Revista LIDE: O que incentiva a retomada dos investimentos no país?

Johannes Zutt: A reforma tributária complementa um conjunto de reformas iniciadas anteriormente, entre elas: a reforma trabalhista de 2017; a reforma da Previdência de 2019, que ajudou a conter as pressões populacionais sobre os gastos; várias reformas do setor financeiro, que ajudaram a impulsionar a concorrência nos mercados financeiros, a inclusão financeira e o acesso aos mercados; reformas em 2020 e 2021 que apoiaram a entrada no mercado e a participação do setor privado em setores-chave de infraestrutura, como água e saneamento, telecomunicações e energia; e a reforma de 2021 que deu autonomia adicional ao Banco Central. As recentes altas nos ratings, além de aliviar a taxa Selic, vão aumentar ainda mais a confiança. Como resultado, já estamos vendo custos de empréstimos do governo mais baixos.

Qual a importância do Banco Mundial e de outros fundos internacionais na composição do crédito para o setor público?

O Banco Mundial, e outras organizações multilaterais e instituições de desenvolvimento, fornece financiamento, análise e aconselhamento técnico para ajudar os governos a enfrentar seus desafios de desenvolvimento. Embora nosso financiamento seja geralmente um pouco mais barato do que o financiamento que os países de renda média podem obter diretamente dos mercados internacionais, é a combinação de nosso financiamento com nossa análise e assistência técnica que fornece o valor real. Fornecer ideias, inovações e conhecimentos que ajudem o Brasil a se desenvolver de forma mais eficaz e eficiente. Para isso, nos esforçamos para ser um parceiro neutro e confiável para agir no melhor interesse do Brasil, usando a experiência internacional para ajudar o Brasil a desenvolver e implementar soluções sustentáveis adaptadas aos seus principais problemas de desenvolvimento. Esperamos ser um bom parceiro, mas também reconhecemos que, no fim das contas, são os brasileiros, com recursos próprios, que vão construir o Brasil do futuro.

Como o Banco Mundial avalia os impactos futuros da reforma tributária na economia brasileira?

O Brasil pode não precisar aumentar impostos, mas precisa tornar o sistema menos complexo e mais progressivo. A carga tributária no Brasil foi de cerca de 34% do PIB em 2021, o que é alto para uma economia em desenvolvimento, embora ainda abaixo da média da OCDE.  Mas o Brasil também tem um dos sistemas tributários mais complexos do mundo, com mais de 80 impostos diferentes administrados por diferentes níveis de governo, além de uma infinidade de benefícios fiscais e regimes especiais. Isso resulta em confusão, altos custos de conformidade e alta incerteza, com muito sendo gasto em disputas judiciais. Além disso, os impostos ocupam entre 23% e 45% da renda das famílias mais pobres, tornando o sistema muito regressivo. A reforma tributária dá ao Brasil a oportunidade de reequilibrar a distribuição da carga tributária e, ao mesmo tempo, simplificar seu arcabouço de tributação indireta – alcançando assim uma dupla vitória para o país.

A reforma tributária do IVA provavelmente tornará a tributação mais simples, melhorando assim o ambiente de negócios e a produtividade.  As propostas em discussão no Congresso dizem respeito à simplificação dos impostos sobre o consumo e ao fim da cumulatividade. Também acabaria com a arrecadação de impostos na origem, o que facilitaria a cadeia produtiva e interromperia a "guerra fiscal" que resulta quando estados e municípios introduzem subsídios para incentivar empresas a se instalarem em locais que podem não ser realmente eficientes sem os subsídios. A reforma tributária unificaria cinco tributos (três federais (IPI, PIS e Cofins), um estadual (ICMS) e um municipal (ISS); não tributária a cesta básica; e introduziria um "imposto sobre o pecado", a ser cobrado sobre itens nocivos à saúde ou ao meio ambiente, como cigarros e álcool. Como estados e municípios não querem perder capacidade tributária, está sendo implementado um regime de IVA duplo. A reforma também permite a redução de alíquotas para setores selecionados, a fim de compensar um aumento esperado da tributação nesses setores, caso a taxa de referência seja adotada para eles. De modo geral, a proposta parece fazer avançar o sistema tributário indireto brasileiro para as práticas internacionais e deve beneficiar o país com melhor ambiente de negócios, maior produtividade e maior crescimento econômico. É importante ressaltar que a reforma foi projetada para ser neutra em termos de receitas.

Por quais razões o país tem uma das menores taxas de crescimento entre os países de renda média, crescendo 0,5% em média ao ano de 2010 a 2021? Como mudar esse cenário?

A economia brasileira cresceu cerca de 0,6% ao ano entre 2013 e 2022, mas o crescimento per capita foi de cerca de menos 0,4% – o que significa que a pessoa média perdeu poder de compra na última década. A maior parte do crescimento que ocorreu foi impulsionada por demografia favorável e alguma acumulação de capital. A produtividade total dos fatores realmente caiu, devido a gargalos estruturais, como o complexo sistema tributário, um ambiente de negócios burocrático, baixa poupança, alta informalidade e integração limitada nos mercados globais – com o resultado de que a inovação e a competitividade estão muito abaixo de onde deveriam estar. Embora a agricultura tenha se saído razoavelmente bem, a manufatura e, especialmente, os serviços se saíram muito mal – com o crescimento da produtividade de serviços em território negativo durante grande parte dos últimos 20 anos.  Ao mesmo tempo, os investimentos em infraestrutura são cerca de metade do que deveriam ser (1,71% do PIB em 2021, contra 3,0% a 3,5% necessários simplesmente para manter a infraestrutura que o Brasil já tem). Em geral, o Brasil não conseguiu aproveitar sua oportunidade de copiar, e assim "recuperar o atraso", para economias mais ricas – uma oportunidade que tanto a China quanto a Índia, por exemplo, estão explorando plenamente.  Uma das principais causas subjacentes é o fracasso do Brasil em desenvolver seu capital humano: embora o Brasil gaste muito em seu sistema educacional, o sistema não está permitindo que as crianças aprendam efetivamente; e as baixas taxas de aprendizagem continuarão a ser um sério obstáculo para a economia no futuro.

Quais são as principais questões que ainda atrapalham o crescimento do Brasil e da região e merecem atenção?

Em primeiro lugar, o governo brasileiro precisa renovar seu foco no crescimento, que é fundamental para criar oportunidades para os brasileiros, especialmente os menos favorecidos. Transferências de renda como o Bolsa Família têm feito um grande trabalho reduzindo os níveis de pobreza, mas a longo prazo a redução permanente da pobreza requer que a economia forneça mais e melhores empregos. Isso significa um foco acentuado na agenda de crescimento. Para isso, o Banco Mundial publicou recentemente um conjunto de notas de política (Oportunidades para todos, 2022) com ideias para aumentar o crescimento e a produtividade, incluindo: melhorar o clima de investimento por meio da reforma tributária indireta; — o aprofundamento da integração e da concorrência através do comércio; aumento da inovação e da aceitação tecnológica; e modernizar a infraestrutura e sua gestão.

Outro desafio importante para o Brasil é reverter as tendências climáticas recentes. O fortalecimento da resiliência às mudanças climáticas e a proteção dos ativos naturais são essenciais para o crescimento de longo prazo, especialmente nos frágeis ecossistemas da Amazônia e do Cerrado. O Banco Mundial, em seu recente Memorando Econômico da Amazônia (AEM, 2023), mostra que é possível o Brasil crescer mais rápido ao mesmo tempo em que protege a floresta amazônica e as pessoas que nela vivem. Tal implicaria: a promoção de infraestruturas e logísticas sustentáveis e o reforço das redes urbanas e dos serviços municipais nas zonas rurais e urbanas; fortalecimento da governança fundiária e florestal, incluindo a aplicação das leis existentes (comando e controle) para conter o desmatamento e as emissões de mudanças no uso da terra; apoiar meios de subsistência rurais sustentáveis, desbloqueando o capital natural associado à floresta em pé e protegendo os modos de vida pobres e tradicionais; e financiamento da conservação vinculado a reduções mensuráveis no desmatamento e com recursos públicos e privados ou soluções baseadas no mercado. A principal mensagem da AEM é que um aumento da produtividade urbana no Brasil (inclusive em estados fora da região amazônica) pode realmente reduzir os incentivos ao desmatamento e, também, ajudar a proteger a floresta e as pessoas que vivem dentro dela. Às vezes é possível tanto ter o seu bolo quanto comê-lo!