O Brasil está pronto para o futuro elétrico?

No Brasil temos visto fatores como o elevado preço de compra, a falta de infraestruturas de carregamento em massa e a ansiedade do consumidor .

sergio eminenteSergio Eminente, sócio da Kearney especializado na indústria automotiva. (Foto: Divulgação)

Apesar da aceleração inicial da indústria – e toda a sua cadeia – de veículos elétricos (VE) em nível global, no Brasil temos visto fatores como o elevado preço de compra (o modelo mais vendido por aqui custa o dobro do preço dos carros flex mais acessíveis), a falta de infraestruturas de carregamento em massa, a ansiedade do consumidor e a ampla disponibilidade de alternativas, incluindo o etanol, levaram o mercado nacional a um cenário de cautela com relação a velocidade de transição para um futuro elétrico.

Por causa disso, o Brasil não desenvolveu um fornecimento nacional de componentes para automóveis elétricos, nem comprometeu grandes investimentos na produção local de VE a bateria (BEV). Até agora, o que víamos é um mercado brasileiro dependente quase exclusivamente da importação de BEVs, o que era uma solução suficiente dada a suspensão das tarifas de importação de veículos elétricos e híbridos desde 2015. No entanto, a partir de 2024, o cenário deve mudar: esta pode deixar de ser uma solução viável para OEMs, pois o governo começa a reestabelecer gradualmente as tarifas de importação ao longo dos próximos 2 anos como uma tentativa de atrair investimentos no Brasil para apoiar e incentivar a produção nacional de VEs.

A essa urgência soma-se o fato de que os OEMs chineses não perdem tempo e já vêm rapidamente aumentando sua participação no mercado brasileiro. Para ilustrar, desde a chegada do Dolphin BYD ao Brasil, os concorrentes foram forçados a reduzir os preços em até 20% para competir. Essas empresas também estão estabelecendo rapidamente uma presença física no Brasil, com acordos de benefícios fiscais favoráveis para a produção local. Foi o que vimos em 2023, quando, com incentivo ao investimento da BYD em uma fábrica de carros elétricos em Camaçari (BA), o governo do Estado da Bahia se comprometeu a isentar de IPVA todos os veículos elétricos com valor de até R$ 300 mil.

Neste contexto, o tempo de “esperar para ver” ficou para trás e aumentar a quota de mercado com importações já perdeu sentido.

Só em 2023, as vendas nacionais de veículos eletrificados, incluídos modelos a bateria, híbridos e plug-in (BEV, MHEV e PHEV), cresceram 90,7% em comparação a 2022, superando as expectativas e totalizando 93.927 novos veículos licenciados no Brasil. As vendas de veículos elétricos a bateria devem representar 10% das receitas anuais do setor em 2030. O índice ainda estará atrás dos cerca de 37% esperados globalmente, mas já é considerável, ainda mais quando levamos em conta que a projeção é que a participação dos veículos puramente a combustão interna (ICE) diminua de 97% para 56% durante o mesmo período, devido à participação dos carros à bateria e híbridos.

Independentemente da velocidade e da magnitude da adoção de veículos elétricos no Brasil a nível nacional, é fato que a procura por veículos elétricos vem - e continuará - crescendo. Isso impactará os fornecedores automotivos do país, que podem correr o risco de perder relevância na cadeia de fornecimento automotivo global se não estiverem preparados para atender à demanda por veículos eletrificados. Em 2022, as exportações de autopeças do Brasil totalizaram US$ 8 bilhões, dos quais 41% foram destinados a mercados de alto crescimento de VE, como União Europeia, EUA e México. Os fornecedores locais devem se preparar para expandir sua atuação em um portfolio de produtos que atendam aos requerimentos dessa nova geração de veículos e, ao mesmo tempo, repensar os potenciais volumes destinados ao mercado local vs. Exportação.

Além disso, a entrada de OEMs chineses no mercado brasileiro não deve ser desconsiderada pelos fornecedores de automóveis, pois tem o potencial de impactar profundamente o atual cenário competitivo do mercado. Esses recém-chegados provaram ser extremamente econômicos e implantam um sistema de produção flexível e plataformas automotivas que permitem a produção de motores de combustão interna, híbridos e veículos elétricos. Com isso em mente, esses novos entrantes têm potencial de facilmente capturar mais de 30% do mercado automobilístico brasileiro até o final da década, e em muitas vezes trazendo seus próprios fornecedores.

A entrada chinesa no mercado brasileiro também pode impactar as exportações, já que agora conseguem se beneficiar dos mesmos acordos comerciais que os OEMs locais e aproveitá-los para capturar uma parcela sólida do mercado latino-americano com suas eficiências.

Tudo isso coloca os fornecedores de autopeças brasileiros em uma encruzilhada, e manter o status quo pode custar-lhes uma parte muito significativa dos seus negócios.

Para destravar boas oportunidades a saída pode estar em focar dois pilares principais: o fornecimento para OEMs chineses, trabalhando proativamente com os novos participantes para demonstrar competitividade de custos e evitar que os fornecedores chineses assumam esta parte da cadeia no mercado OEM; e a aceleração da indústria nacional, promovendo um esforço coordenado e concentrado com os OEMs tradicionais para levar a competitividade da indústria nacional aos níveis chineses.

Esta estratégia de duas camadas é fundamental para manter a indústria nacional de autopeças funcionando em volumes lucrativos e evitar uma perda ainda maior de competitividade.

No entanto, para atender ao novo tipo de demanda dos OEMs globais e chineses, é imperativo que os fornecedores locais produzam todos os principais sistemas de veículos híbridos e EV. Dado o ritmo e o investimento necessários, um bom caminho seria começar localmente com a produção das peças essenciais e a montagem e, progressivamente, à medida que os volumes de vendas de VE aumentam, localizar a produção de novas peças.

Na prática, claro, é necessário desenhar uma estratégia considerando uma série de fatores de negócios, mas uma questão é imperativa: é fundamental o esforço colaborativo entre OEMs, fornecedores de automóveis, produtores de matérias-primas e o governo brasileiro. Todos devem contribuir com os investimentos necessários para sustentar o crescimento do negócio no Brasil.

E é preciso agir rápido. O Brasil não pode mais esperar para demonstrar compromisso com o avanço dos veículos elétricos. Isso pode colocar o país em risco de obsolescência frente à indústria e à cadeia de valor globais. Aqueles que não quiserem ficar para trás na corrida pelo mercado de eletrificação veicular no país devem unir forças para promover mudanças e ações decisivas. E devem fazê-lo rápido.