William Adib Dib Júnior, da Câmara de Comércio Árabe-Brasileira: 'Exportar commodities é só o começo: queremos diversificar a pauta com valor agregado'

Com diversidade de produtos, certificação halal e parcerias estratégicas, mercado brasileira se consolida como fornecedor-chave para a segurança alimentar no Golfo.

William Adib Dib JúniorWilliam Adib Dib Júnior, presidente da Câmara de Comércio Árabe-Brasileira. (Foto: Divulgação)

O Brasil consolida sua posição como um dos principais fornecedores de alimentos para os Emirados Árabes Unidos (EAU), com destaque não apenas para as proteínas animais, mas também para produtos como café, amendoim, pimenta e açaí. Essa diversificação é resultado de uma estratégia coordenada entre governo e setor privado para ampliar a presença brasileira no Oriente Médio.

A balança comercial agrícola entre os dois países é amplamente favorável ao Brasil, já que os Emirados praticamente não exportam produtos agrícolas para o mercado brasileiro. Esse sucesso se deve à qualidade e diversidade dos produtos brasileiros, além da capacidade de atender exigências específicas, como a certificação halal, indispensável para acessar mercados islâmicos.

A ex-ministra da Agricultura e ex-senadora Kátia Abreu defende o papel estratégico do Brasil como garantidor da segurança alimentar global, especialmente para países do Oriente Médio e do Norte da África — regiões altamente dependentes de importações alimentares.

“O Brasil é um dos maiores exportadores mundiais de proteínas e grãos, e nosso compromisso com segurança alimentar vai além do comércio: é uma questão de geopolítica e diplomacia econômica”, afirma.

Para Saleh Lootah, CEO da Al Islami Foods e presidente da Associação dos Fabricantes de Alimentos e Bebidas dos Emirados Árabes Unidos (FBMG), o Brasil ocupa uma posição central na segurança alimentar da região. Segundo ele, o país é não apenas um fornecedor confiável, mas também um parceiro de longo prazo para garantir o abastecimento sustentável de proteínas e insumos alimentares. Lootah ressalta ainda a importância de aumentar a integração logística e investir em cadeias de frio e armazenagem. “

O Brasil tem um papel vital em nosso ecossistema alimentar. O fortalecimento das rotas logísticas e o acesso facilitado aos produtos brasileiros são fundamentais para nossa segurança alimentar nacional”, afirma.

Mercado Halal

Segundo Ali Zoghbi, vice-presidente da Fambras Halal, o primeiro desafio das empresas brasileiras é a obtenção da certificação halal, indispensável para acessar países muçulmanos. Ele destaca como principais mercados o Oriente Médio (EAU, Arábia Saudita), Norte da África (Egito, Marrocos, Argélia) e partes da Ásia (Indonésia, Malásia, Bangladesh).

Embora o Brasil já seja o maior fornecedor de alimentos aos países árabes, as exportações ainda são majoritariamente compostas por commodities, como carne, soja, milho e açúcar. Para ampliar o valor agregado, William Adib Dib Júnior, presidente da Câmara de Comércio Árabe-Brasileira, defende a internacionalização de empresas brasileiras na região. Como exemplo, cita a JBS, que anunciou uma fábrica de derivados de aves em Jeddah (Arábia Saudita), e a BRF, que firmou uma joint venture com a saudita HDCP para produção de alimentos halal.

Outro caminho, segundo Dib, é diversificar a oferta de produtos industrializados certificados como halal, ainda pouco explorada fora do setor de carnes.

De acordo com Adel Al Owais, CEO do Grupo Al Owais, um dos conglomerados mais tradicionais dos Emirados, há oportunidades crescentes em setores como frutas frescas, grãos processados e alimentos industrializados.

“O crescimento da população e da demanda por alimentos seguros e certificados exige parcerias duradouras. O Grupo Al Owais está comprometido em fortalecer os laços com empresas brasileiras, especialmente na criação de soluções logísticas conjuntas que reduzam prazos e custos operacionais”, afirma. Para ele, investimentos bilaterais em infraestrutura, armazenagem e certificações halal são essenciais para consolidar o Brasil como fornecedor-chave no Golfo.

Confira a entrevista com William Adib Dib Júnior, presidente da Câmara de Comércio Árabe-Brasileira

Como você avalia o atual cenário das relações comerciais entre o Brasil e os países árabes? Quais setores mais se destacam?

Do ponto de vista do comércio, eu diria que a relação é estratégica. As exportações do Brasil para a Liga Árabe cresceram 22,44% no ano passado, somando US$ 23,68 bilhões, número que, aliás, é o segundo recorde consecutivo de receita com a região. Além disso, o comércio com os árabes gerou em 2024 superávit recorde para o Brasil, de US$ 13,50 bilhões, crescimento de mais de 50%. Mas é importante destacar que poucas parcerias comerciais do Brasil registraram crescimento na escala alcançada pelos países árabes, que seguem com boas perspectivas econômicas de curto e médio prazo.

Os árabes são economias com populações predominantemente jovens, que ainda colhem os benefícios do chamado bônus demográfico. Além disso, muitos deles estão se esforçando para reduzir a dependência do petróleo com investimentos em diversificação econômica, o que vem mantendo as principais economias aquecidas. Então é justo dizer que os árabes continuarão tendo nos próximos anos grande importância para o setor exportador, sobretudo para as cadeias do agronegócio e alimentos, que respondem por aproximadamente ¾ das vendas à região. E, da mesma forma, os países árabes deveriam ser considerados nas estratégias de internacionalização de qualquer empresa com ambições internacionais.

Além disso, na via inversa, o Brasil se destacou como um importante destino das exportações árabes, tendo adquirido quase US$ 10,19 bilhões em produtos, notadamente petróleo, combustíveis e fertilizantes, num sinal de que a parceria segue avançando de maneira benéfica para os dois lados.

O agronegócio tem sido o principal motor das exportações brasileiras para o mundo árabe. Como diversificar essa pauta comercial e expandir para outras áreas?

Você disse bem, diversificar as exportações, prevalentes hoje em commodities do agro e minerais, é o maior desafio da relação. Embora o Brasil seja hoje o maior fornecedor de alimentos dos países árabes, nossa participação ainda é majoritária em produtos básicos, como milho, soja, trigo, cereais, carnes, açúcar e outros alimentos. Mas há caminhos a seguir. Uma possibilidade seria a internacionalização de empresas brasileiras na região, para que elas possam atuar localmente, gerando remessas ao Brasil oriundas da produção de bens e produtos de valor agregado, seja para consumo local ou para exportação a partir de um dos muitos hubs árabes existentes para esse fim.

Esse é um movimento que já vem sendo realizado por algumas organizações brasileiras. No ano passado, a JBS anunciou a instalação de uma fábrica de derivados de aves em Jeddah, na Arábia Saudita, que vai fazer empanados e processados. A BRF também fez uma joint-venture com a saudita HDCP para produção de alimentos halal, aqueles produzidos em respeito a tradições do islã, em arranjos que asseguram a essas empresas a inserção de seus produtos em mercados árabes e em outros países islâmicos. Um outro caminho possível é diversificar as exportações de bens e serviços de valor agregado originados no Brasil.

No caso dos alimentos, embora o Brasil tenha o que pode ser a indústria alimentícia mais competitiva do mundo, ainda são relativamente poucas as empresas para além do setor de carnes que contam com sistemas produtivos certificados como halal, ou seja, capazes de fabricar produtos alimentícios conformes com tradições do islamismo, o que é um requisito valorizado na região. Foi diante desse diagnóstico que a Câmara Árabe e a ApexBrasil lançaram em setembro de 2022 o projeto Halal do Brasil.

A iniciativa visa, justamente, incentivar empresas de alimentos a exportar para mercados muçulmanos, oferecendo apoio para participar de feiras e rodadas de negócios, mas também incentivo à certificação de linhas de produtos. Hoje já temos 124 empresas no projeto, muitas das quais já embarcando produtos certificados como halal para países árabes. Já somos os maiores exportadores de carnes halal para o mundo muçulmano. Podemos, no entanto, liderar o fornecimento de muitas outras categorias de alimentos.

Além disso, movimentos similares poderiam ser realizados em outros setores, como cosméticos, produtos de higiene, beleza e medicamentos, que também requerem a adequação a certos padrões muçulmanos e têm grandes mercados na Liga Árabe e nos países da Organização para Cooperação Islâmica.

Quais países árabes estão mais abertos a novos investimentos brasileiros, e quais setores oferecem as melhores oportunidades de negócios?

Creio que todos os países da Liga Árabe têm atrativos que empresas brasileiras deveriam considerar em suas estratégias de internacionalização. A conferência da Future Investment Initiative, a FII Priority, realizada no Rio de Janeiro no início do ano passado, deixou claro o interesse dos árabes em levar para seus territórios investimentos de empresas brasileiras. Mas é importante destacar aqui que quase todos os países árabes têm fundos soberanos de investimentos com recursos disponíveis e atuando para assegurar os objetivos estratégicos de seus respectivos governos.

Temos visto movimentos importantes vindos da Arábia Saudita e dos Emirados Árabes Unidos, que abrigam os maiores fundos da região. As visitas oficiais do governo brasileiro a essas nações nos últimos anos abriram oportunidades nos segmentos de fabricação de aeronaves e desenvolvimento de sistemas militares e fertilizantes que seriam necessariamente viabilizados com a participação de empresas brasileiras.

Entendemos, no entanto, haver oportunidades também em setores como o farmacêutico, de cosméticos, higiene, beleza, jóias, pedras e metais preciosos, construção civil, infraestrutura, turismo, entretenimento e negócios relacionados a atividades esportivas. Isso para além da tradicional cooperação na área de segurança alimentar, na qual já temos um laço forte e podemos crescer muito com ampliação do comércio de alimentos de valor agregado.

Como as empresas brasileiras podem aproveitar melhor as zonas francas e os hubs logísticos dos Emirados Árabes, do Catar e da Arábia Saudita para expandir sua presença na região?

As zonas francas existentes em países árabes têm oportunidades relevantes para empresas brasileiras se internacionalizarem de forma incisiva em diferentes partes do mundo. Além dos tradicionais incentivos tributários, a maioria dessas zonas oferece uma série de serviços que facilitam muito a atuação do empreendedor.

Por exemplo, na maioria delas, é possível constituir subsidiárias sem a necessidade de um sócio local. Quase todas, senão todas, também contam com infraestrutura de backoffice, armazenagem, logística e até áreas de industrialização que podem ser utilizadas pelo empreendedor no sistema pay per use. Dessa forma, a empresa pode começar com uma pequena operação, que não demande grande quantidade de capital, e expandir aos poucos, à medida que o negócio amadurecer.

As zonas francas estão necessariamente localizadas em áreas com infraestrutura portuária, aeroportuária e logística. Ficam em países que estão no meio da principal rota de comércio entre Ocidente e Oriente e em nações que têm muitos acordos de livre comércio já em vigor, além de um sistema financeiro conectado aos rincões mais distantes do mundo. A partir delas, é relativamente fácil acessar mercados em franco crescimento na África Oriental, no norte da África, no Sudeste Asiático e até na Ásia Central. Só os Emirados Árabes Unidos, que é do tamanho de Pernambuco, tem 46 dessas zonas francas.

O país, aliás, está em processo de negociação de um acordo de livre comércio com o Mercosul, que está em estágio avançado de maturação. Então as oportunidades de internacionalização por lá certamente vão se ampliar, inclusive na forma de divisas remetidas ao Brasil provenientes de negócios internacionais de suas empresas.

A crescente digitalização e inovação nos países árabes têm aberto novas possibilidades de negócios. Como o Brasil pode se inserir nesse contexto, especialmente em tecnologia e startups?

Essa é uma área em que realmente temos muito a colaborar. O Brasil tem muitas agritechs desenvolvendo inovação aplicada à produção de alimentos. Os árabes têm feito esforços para ampliar a produção local de gêneros alimentícios, também por meio de suas startups, desenvolvendo tecnologia para viabilizar a produção em países predominantemente desérticos.

Certamente as startups brasileiras e árabes podem trocar conhecimento, experiências e até iniciar processos conjuntos de desenvolvimento tecnológico. Da mesma forma, os árabes têm feito esforços para reduzir o consumo de petróleo e descarbonizar suas matrizes energéticas. O Brasil poderia, assim, colaborar com suas startups que atuam no segmento de crédito de carbono, de energia renovável e de soluções sustentáveis para viabilizar parcerias de benefício mútuo.

Há ainda startups dos dois lados que buscam tecnologias para viabilizar a produção em larga escala de hidrogênio verde, desenvolver soluções relacionadas à eficiência energética e à inteligência artificial. Eu cito apenas os exemplos com os quais tivemos contato por meio da iniciativa LAB CCAB, um ecossistema de startups que a Câmara de Comércio Árabe-Brasileira lançou há alguns anos justamente para promover o intercâmbio de conhecimento entre startups brasileiras e árabes e também possíveis financiadores. Mas há outras possibilidades a explorar, por exemplo, no segmento de fintechs, em que o Brasil também é igualmente competitivo.

Os fundos soberanos árabes têm aumentado seus investimentos no Brasil. Quais setores brasileiros mais atraem esses investimentos e como ampliá-los?

Eu vejo particular interesse em negócios envolvendo os setores de segurança alimentar, infraestrutura, energia limpa e até bens de consumo. Já há muitas décadas, fundos soberanos sauditas, como o Salic e o próprio PIF, mantêm posições estratégicas em empresas do agro brasileiro, que, por sinal, acabaram encontrando nos países árabes espaços muito importantes para seus produtos, e ainda há espaço para esse tipo de investimento. Os fundos emiráticos também têm uma atuação bastante diversificada no Brasil, adquirindo posições em prestadores de serviços de saúde, faculdades de medicina, redes de academias, refinarias e até em concessões do transporte público das grandes cidades brasileiras.

Tivemos recentemente o anúncio de investimentos da ordem de R$ 100 bilhões em urbanização, que, faço votos, espero que se concretizem. Então, os árabes veem o Brasil como um país de boas oportunidades, relacionadas a seus objetivos estratégicos, mas também a bons negócios. Eu creio que a principal condição para que investimentos sejam levados a um dado país é a previsibilidade, ou seja, a solidez das instituições e a existência de regras claras para a atuação do investidor e uma economia forte.

Penso que o Brasil tem feito avanços importantes em todos esses pilares, mas ainda há trabalho a fazer, sobretudo para tornar as nossas oportunidades conhecidas dos investidores árabes, o que pode ser feito por meio das interlocuções diplomáticas oficiais, prioritariamente.

Como a Visão 2030 da Arábia Saudita e os planos de diversificação econômica dos Emirados Árabes podem impactar o comércio e os investimentos entre os países árabes e o Brasil?

Uma das razões para que as exportações brasileiras aos árabes tenham crescido 22% no ano passado enquanto o comércio com o mundo praticamente andou de lado é a existência das Visões 2030. Os investimentos governamentais árabes exercem hoje um papel muito importante para manter as maiores economias da região aquecidas e sustentar a demanda que temos visto por produtos brasileiros.

Mas esses investimentos precisam ser vistos como uma oportunidade para estruturar parcerias estratégicas entre o Brasil e os países árabes. Muitos desses investimentos, por exemplo, estão relacionados à energia limpa, à descarbonização e ao desenvolvimento sustentável, áreas em que o Brasil certamente pode colaborar. Uma condição importante para que essas parcerias sejam viabilizadas é que o Brasil também saiba constituir com os países árabes uma relação de reciprocidade também nos investimentos.

Creio que temos boas sinalizações acerca desse ponto, por exemplo, com as discussões recentes para que a Arábia Saudita abrigasse parte da cadeia produtiva de aviões militares brasileiros, capitaneadas pelo governo brasileiro em uma das recentes visitas à região. Esse tipo de interlocução é muito bem vista e cria um ambiente favorável para que novas cooperações surjam posteriormente, não só entre agentes governamentais, mas também na iniciativa privada das duas regiões.

O senhor acredita que há espaço para um maior alinhamento político e diplomático entre o Brasil e os países árabes em fóruns internacionais?

O Brasil tem um histórico de relações institucionais muito positivas e amistosas com governos árabes. Nossas relações com a região são, de forma geral, pautadas pela concordância de posições e pela convergência de interesses, o que, aliás, têm se refletido de forma positiva no desenvolvimento contínuo do comércio e no intercâmbio de investimentos.

Já temos, portanto, um relacionamento institucional estruturado em boas diretrizes. E se novas necessidades surgirem na relação bilateral, certamente haverá dos dois lados da diplomacia a capacidade e a disposição para costurar entendimentos que sejam mutuamente benéficos e que tragam soluções a eventuais questões.

Quais desafios regulatórios e burocráticos ainda dificultam o comércio e os investimentos entre Brasil e países árabes, e como podem ser superados?

Eu creio que o maior desafio com a região é ampliar o número de acordos de livre comércio. Temos só um acordo firmado, o Mercosul-Egito, que este ano entra na sua última lista de isenções. O entendimento que entrou em vigor em 2017 teve um efeito muito positivo no comércio entre o Brasil e o país africano. Ele foi capaz, por exemplo, de ampliar os embarques dos dois lados e introduzir na pauta bilateral produtos que antes não eram comercializados. Estamos avançando no acordo com os Emirados Árabes Unidos, que, quando efetivado, certamente vai ampliar a relevância do país árabe como parceiro comercial.

Mas há outros entendimentos que foram iniciados e precisam ser retomados, com os países do Conselho de Cooperação do Golfo, com a Palestina, o Líbano e o Marrocos, nos quais as partes precisam encontrar formas de superar sensibilidades. Também haveria ganhos na estruturação de acordos de facilitação de investimentos. Há poucos acordos do gênero firmados com a região, e esses entendimentos seriam particularmente importantes para que empresas considerassem estabelecer operações em ambas as regiões.

Quais são as perspectivas para os próximos anos no fortalecimento das relações comerciais entre Brasil e mundo árabe? Há iniciativas ou acordos em andamento que podem impulsionar essa parceria?

O relacionamento com os países árabes certamente tem boas perspectivas, do ponto de vista comercial e também de investimentos. Creio que o mais importante para que essa relação continue a se desenvolver é que governos dos dois lados sigam mantendo um relacionamento institucional próximo e de alto nível. Visitas de Estado são muito importantes para se criar um ambiente de negócios favorável, especialmente numa região do mundo em que a iniciativa privada acompanha com muita atenção as sinalizações de seus respectivos governos acerca das prioridades de cada momento.